quinta-feira, 5 de julho de 2012

De vez em quando

De vez em quando
sob as manhãs claras dos meus sonhos
a infância brinca com o tempo
inventando bolas de gude,
futebol em campo de terra,
pés descalços,
pipa no céu,
ilusão


De vez em quando
sob as manhãs delicadas
a brisa traz um céu azul novinho
sobre o mar que eu não ouço, mas sinto
As ondas voláteis e mudas esbatem-se
na areia das praias de eternas soledades,
adejantes quimeras,
ignotos caminhos


De vez em quando
sob as manhãs se derramando em dourado
as cores desenham as paisagens flutuantes
as flores, versões das brisas, esplendem
no silêncio imanente da ausência solitária (só eu escuto)
no passo úmido das lembranças
que se movem e olham
e ressoam o eco do imenso oceano vermelho da aurora


De vez em quando
sob as manhãs vermelhas
sob a palavra presa ao ocre
das miragens dos desertos
invisível luminescência
o dia reinventado segundo a sensação
e o acaso rendilhado pelo vento
traz, tão lento, as velas de volta ao cais


De vez em quando
sob as manhãs do meu pensamento
brilha uma última estrelinha
tão longe e tão pequenina
contando histórias e poemas partidos
de letras mal decifradas
de um amor de verdade
que só existiu, antes, em mim
depois, neste silêncio de ontem


De vez em quando
sob as manhãs que nascem enquanto a chuva cai
molhando devagarinho nosso destino no labirinto
molhando o vento que rola na paisagem
e aquele amor que se parecia com o mar
e que se perdeu na passagem das horas
como um perfume derramado
que invade a alma e evola-se pelo ar


De vez em quando
sob as manhãs onde soluçam levemente os meus sonhos
que dirão quando não partem e me espreitam nas ruas
onde você passou?
Como esquecer se teus passos fizeram das calçadas
saudades mudas para eu ouvir?
Lá fora ainda há uma tarde escorrendo lentamente pelo dia,
transfomando a nostalgia em inatingível eternidade


De vez em quando
sob as manhãs que ondeiam sobre o mar
que guarda tão singelamente o teu olhar
da onde brotam as cores do dia
e a semente deste sol vermelho em grãos
sob as manhãs onde os pássaros alardeiam o novo dia
e chamam a fome do teu nome
para ressoá-lo em versos numa doce barcarola


De vez em quando
sob as manhãs de um outono vindo do mar
as gotas de orvalho tecem as alvas rendas de linho
na paisagem insondável dos lírios esculpidos no ar
onde meus olhos podem embeber-se da aurora
e o vento que passa seca a lágrima que ao longo da face
perpassa mares acetinados
e mergulham versos formosos na noite que dorme ao longe


De vez em quando
sob as manhãs feitas de leves marulhos
por entre a neblina e a vertigem do sol
os poemas são pedaços de um tempo que não termina
e se repete sem ser o mesmo
e me revela sem ser o signo
e me acalenta sem ser o sonho
e subsistirá a mim depois que eu me for

Imagem: Theo Den Boon

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