sábado, 16 de junho de 2018

Caem as flores


caem as flores,
lentamente,
sobre os caminhos do outono
sobre lembranças e sonhos

lá fora há um sol alegre

digo ternuras
para os teus cabelos
há tanto silêncio nas palavras que lhes digo

o mundo sonhava triste antes de ti
o azul esperava
os versos suspiravam
e esperavam
sementes

dormiam na noite acesa
tempos distantes
solitários barcos
ilhas cansadas
frágeis oceanos
mares sem nome

depois de ti
as ondas quebravam entre as tuas pernas
e era em teu corpo que eu navegava
naufrago insaciável
enquanto as flores caiam
sobre os caminhos do outono
sobre lembranças e sonhos

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Versos insontes


a tarde faz-se escura...
...chove
e terna e exilada
contempla mares entediados e distantes
limites de terras solitárias
como o pássaro pousado nos meus sonhos
eternos silêncios e cansaços
me chama devagar
tão lentamente
me leva pelos caminhos deslindados da memória
há momentos onde tudo é só saudades
e, então, já não é suficiente o deserto que se estende
diante da tela do computador
onde o nada permanece transparente e intangível
onde as palavras navegam
incertas rumo aos rochedos da infância
e tudo que tenho para dizer são só enganos
miragens
ausências
melancolias
vento triste
versos insontes
sombra invisíveis plasmadas
nas criptas das madrugadas insondáveis
sedes cansadas
saliva e beijos que guardei para ti
não digo amor,
esta palavra e seu fogo inquebrantável
a chuva molhando lembranças de cartas de amor
encharcando o inocente outono
volteando e escalavrando dentro de mim
incendiando o instante cinza do céu imoto
resvalando na tua voz
declamando o poema no tim-tim-tim do telhado
trazendo docemente a noite furtiva
no ventre de uma lua amarela
tecendo os olhos com os quais velarei o teu sono,
solidão

domingo, 10 de junho de 2018

Desabafo

 
enojei-me
enojei-me de mim mesmo
da minha falsa candura
da minha real covardia
enojei-me da minha fuga
e dos meus medos
da minha sombra escura
pássaro negro nas nesgas claras do ar
flanando como os meus sonhos sem rimas
que nem consigo entrever
que não consigo atinar
um sem sentido me espiando
do sempre mesmo lugar

enojei-me dos pretenciosos
e os encantados com o poder
enojei-me dos homens
enojei-me das gentes
vendilhões de tristes madrugadas
de tantas noites sonhadas
dos laivos de tantas manhãs rasgadas
pelos passos falhos do vento
pelas rimas de um velho e doce poema
deixado para se declamar num junho inundado de azul

o que serei quando esquecer este mundo?
outra vida?
passado em chamas?
vento suave?
tufão?
um anjo à deriva e alado?
desdita?
saudades?
ou o vazio atávico e inominado caindo das minhas mãos?
a vida incompleta
que escorre, ressuma e grita?
pouco importa
não vejo nem a luz nem a porta
que me tire desta cava
onde, inelutavelmente, o tempo cai sobre mim em descompasso
não sou um homem do meu tempo
"meu tempo" nada tem de meu, nada tem de mim
meu tempo é só os momentos que me levam até o meu fim