quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ano novo

O ano velho não termina...
Amolda-se,
cochicha estórias,
e diz segredos
ao ano novo que não tarda
e não se inicia,
porque continua...
cíclico,
como ondas no mar...
desprendendo-se das frinchas das águas,
refulgindo em periódicos momentos rendilhados de espuma e vento.
Como a hora remota do sol em declinio caminhando concisa
adiante do passo da gente.
Como a noite indolente usurpando a sombra ao dia ígneo do brotar do tempo semeado.
Novo?
O agora é novo a cada instante, seja tecido de sarja ou de seda...
é motivo, porto, ilha, partida, brisa, verso pra poesia, libertas, alforria... gare da vida
Assim como são novos todos os dias,
páginas em branco para o teu poema.
Fios para tecer o mesmo casulo mil vezes tecido,
Prólogos da mesma trama,
do antigo texto.
Água a escorrer da fonte que a memória contempla
delindo o passado enquanto os anos novos não vêm,
enquanto a vida e o seu instante precário inexoravelmente se esvai...
E, então, já é passado...
que não sabe esperar
e caminha resoluto por sobre o momento presente,
sumariamente, deixando a dor ou o riso nos rostos, sem despedidas.
 
Os dias sem calendário gotejam como as águas desta fonte que sobem em sussurros
para a completude de um céu, para a contemplação da noite.
Ao longe o vento umedece de orvalho os olhos insuficientes
para mirarem os jardins estóicos e suas flores sincréticas, vítreos espelhos.
Olhos que brilham como a eterna esperança, como as grandes nebulosas.
Esperança indagando qual será o inaudito começo. 
Velhos planos que nos olham à distância.
Novos projetos que acordam cedinho vestindo roupa de festa.
E ano velho e ano novo se encontram...
Se confundem...
Logo ali
Ao alcance de um escolha 
Enquanto o tempo se espreguiça...
morno,
semente,
ocaso,
indiferente à sombra do passado e à névoa do futuro,
imerso em sonhos e esquecimentos.
Grãos da mais fina areia a perfazerem os instantes que escorrem como cismas fugidias
pelas ampulhetas silentes, pelas vidas e primaveras floridas de azuis, rosas, lilases...
Pelos outonos soturnos e graves debruçando-se sobre as sombras das noites longas,
oscilando entre a luz e a escuridão da grei humana.
 
Nas paredes da casa branca com floreiras nas janelas
e no ar semeado de ausência e de passados dormitam as lembranças.
Para que não nos sintamos tão sozinhos no novo ano.
Para dar um toque de nostalgia neste janeiro com jeitão de pode tudo.
Para termos um ponto de partida.
 
Olha! Vem ver esta esta manhã de ano novo que desponta
como um vulto familiar saindo de dentro do espelho da memória, 
refletindo a singularidade dos dias que não são iguais.
Cada dia tem o seu devir que dissolve e cria e transforma todas as realidades.
Cria a luz que se esvai, no sopro do vento, do amarelo ao lilás,
e nos teus sentidos se assentam sobre as pétalas da flor que tece,
com a graça idílica de suas cores, o segundo e a eternidade.
Deixa teus olhos sonharem a manhã do ano novo.
Imprime a tua delicadeza no dia que a ti se entrega.
Não queres acender o dia?
Fecha teus olhos...
E deixa tua mente deslindar antíteses de tantos outros dias, silentes e sós.
Faz o dia como te apraz.
A tonalidade do azul do céu te desagrada?
Queres um azul mais contente?
Que tal um azul de sonho maduro?
Ou um azul igualzinho ao sentimento da gente?
O que é, enfim, este azul obscuro
de transparentes carícias de rendas de linho e algodão?
Céu com nuvens...
branquinhas, branquinhas...
Prontas para se pegar
e se lambuzar nestes rolos de algodão doce celestiais.
O coração irisado pelo sol.
Pés descaços sentindo o calor e a nudez deleitante do chão pulsando nossas vidas...
nos caminhos impalpáveis entre o sentimento e a sombra e que se distendem
pelos campos compungidos do pensamento e do gesto...
 
E o verde destes campos, destas matas... está a teu gosto?
E estas árvores de camurça onde podes descansar
é teu pensamento que cria e as dissolve no ar?
Deita-te nesta sombra ilusória onde anjos vêm te velar,
cava na verde terra sozinha
o teu pedaço de mar...
De águas azuis pontilhadas de marulhos distantes,
de brisas úmidas que por ti esperam,
de areias brancas e macias,
do rumor das ondas nos rochedos,
de bandos de estrelas nas noites nuas,
de uma lua pousada na voz fulgente dos ventos bardos,
de um sol cinzelado em douradas pétalas etéreas,
do sopro que vem das velas enfunadas
gaivotas,
passos na areia,
as ondas roçando pés,
dizendo sussurros e versos,
silêncios sequiosos,
sonhos azuis,
a lua ao nascer do dia,
rubras luzes,
vagas veladas,
concha vazia.
 
 
No incessante movimento do Tudo e do Nada, do Ser e do não Ser,
na insofismável vacuidade da existência, o ano velho insinua, sem rumor, 
mistérios da vida e do tempo...
inacabado,
rasgado,
ignorado,
cinzas,
brasas,
fogaréu,
apagando o escuro na terra,
acendendo a noite no céu.
Esboço deste passado que aflora
em meio à noite contemplativa... 
e entre um poema e outro...
 
se vai...
 
impregnando o presente e o futuro com o perfume das flores colhidas em meio às nuanças dos ventos pelos quintais

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