sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Miséria e fome


Senhor,
viestes nos procurar
a mim e a este cão que atende pelo nome de Fome
trouxestes alento para as nossas lágrimas
trouxestes o cântaro cheio da Tua Verdade
e da Tua comiseração

da latência das Tuas palavras
inventa-se a paciência e/ou o desespero
escorrem os momentos para o fim
e o fim é a catedral onde a neblina apagará os círios
que consomem os dias e as noites
inelutavelmente

o homem deglutindo a fome
o cão salivando a fome
a criança aprendendo a fome
subsistem por imposição da vida

crianças famintas arrostando a fome
crianças no lixão mimetizando-se com os urubus
crianças carcomidas pela estultice dos discursos vãos
crianças apedrejadas pelo egoísmo inaudito
crianças pedindo nos semáforos
crianças na prostituição

dizei, Oh! Senhores chefes das nações que sendo várias
deveriam ser uma
que almoçam e jantam e arrotam e jogam o sobejo fora
os campos semeados e as colheitas são insuficientes?
a semente, se mente e não vinga e se vinga e se morre?
a miséria é algo tão distante, insólito e obscuro
sem direito sequer a um osso para o cão, a um pão duro?

sentados diante da emoção incomensurável
da mansidão de uma aurora
molhada pelo sereno que o vento traz
e acordado pelo sussurro dos deuses,
olhando para o que acumulamos,
um dia pressentiremos (será?)
que morrer de fome, na lassidão da miséria
é a quinta-essência da indiferença
açodando os círios acesos para que se apaguem
mais celeremente todos os dias
sem atentar que tudo que É É eternidade

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