quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Como você


o outono veio outra vez...
agora sem você
trazendo as frágeis horas aguilhoadas
articulando as longas noites e os acres dias

o perfume do vento palpita
o desamparo do tempo passando
soa lembranças na folhagem
esbatida sob um inconsútil sol de abril
no silêncio que perpassa a fulva manhã
os dentes-de-leão, levados pela aragem,
emprestam ao ar uma leveza tátil e friável
as folhas secas se debruçam
sob os níveos véus do nevoeiro ofegante
ante a beleza da manhã
e caem

ressumam os versos que a manhã decanta
nos jardins onde pululam os pardais
nos quintais onde o vento cantarola
tocantes cantigas de infância

correm descalças as lembranças
pela praia melancólica da tua ausência,
dos nossos mares,
agora exaustos,
das nossas ilhas,
agora tão doridas
dos fragmentos absolutos do nada
agora tão permanentes

a agonia das espumas
tecendo rendas nas ondas
querendo ser elegia
no prelúdio do verso
no momento infinito e rumoroso dos oceanos
acorda, suavemente, o silêncio
das praias entreabertas sob um sol latente
esculpido pela lassidão da solidão

minha dor ainda espera
o vento passar
e trazer as palavras que eu não te disse
palavras encobertas pelo silêncio envolto em ausência
palavras tão ternas como o cansaço dos corpos
depois do amor
tão leves
como a brisa que derruba a flor dócil sobre o teu nome
inesgotável como as madrugadas sem você

a poesia que arrulha em minha alma,
em minha vida,
não acontece
a palavra se esconde
entre o outono branco da página
as veredas inacessíveis da melodia insonora
e dos ideogramas de um haicai
escrito como a chuva que cai
e bebe a sede dos versos molhados pelas cores das flores

um vento absorto e distraído
se equilibra sobre a página
               [ainda em branco
minhas mãos, timoratas,
flutuam sobre sofismas
no fim das premissas
há algo vago
como uma saudade vígil
como uma noite incriada
como a tua presença
dentro da minha solidão consistente
como a angústia de estrelas sem céu
ou algo assim,
enigmático e intrigante,
tão imperecível em mim
como você

Imagem: Edgar Degas

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