sábado, 3 de dezembro de 2016

Outono em maio


manhã de outono
a névoa,
como um lençol de renda,
cobria os ares frios da manhã de maio
fazendo tremer o dia lá fora
a manhã sem vento,
clausura das horas,
deitou-se com a lua
e o sol,
nascendo como "en el sueño",
esqueceu-se a habitar os lilases
que, despertando, desenhavam o ar
fina adaga
que atravessava as nuvens
demoradas e cegas
e que perpassavam
uma a uma
como soluços de uma dor
como o tempo incerto
habitando dentro dos séculos
como o dia de outono
que a minha solidão vislumbrava
do outro lado do espelho
de onde alguém que eu não conheço,
ensimesmado,
me olhava para além de mim
os olhos carregados de passado
e de destino

tristes olhos
são agora neblinas

um dia sonhei que eu era
todos os sonhos de um menino
que ainda insistiam em sonhar-me
nesta manhã de maio
como os pássaros que olho
pelos vidros da janela
e são tão reais quanto o instante inominável
que passa
desfazendo o meu olhar
como a praia, singular, desfaz a onda
e o pássaro desfaz o ar na tessitura do vôo
repleto de silêncio e tempo
e de ilhas subindo da tarde rumo à noite
oscilante de tanta estrela,
constelações,
desertos onde a lua é de impenetrável  beleza
e tudo aquilo que escapa da textura da noite
é encanto durante o dia nácar
de um maio róseo e marfim

as gotas de orvalho esplendem ao sol
e rolam pelas folhas
flutuam
e caem
arrepiando a terra no imerso do toque
transparente
fica em mim este áspero aroma da terra úmida
da terra que o orvalho molhou

é maio
e me embebedo impunimente
desta manhã
das fartas cores da aurora
e do vozerio dos pássaros
às seis horas da manhã
subtexto dos meus olhos
e da tua voz tardando a se exaurir dos meus sentidos

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