sábado, 10 de dezembro de 2016

Murmúrio lento

 
murmúrio lento
a noite é a impenetrabilidade do muro
a noite é o gemer infatigável do vento
a noite é uma fogueira de ébano e prata
me chamando
nesta noite posso ouvir o mar
e me embalar no mar
                                   precário mar
e me embebedar de mar
                                       anacrônico mar
e sentir a candura gélida das espumas das ondas
e morrer-me o pouquinho que se morre a cada dia
ouvindo o mar que murmura em infrangíveis rochedos
a água e o sal escorrendo pela pedra,
escorrendo pela noite silenciosa e plena
escorrendo dentro de mim
o som das ondas clareiam
a noite fulminada pelo escuro
e o imenso cansaço irremissível dos meus olhos

no silêncio sem fuga da tua ausência as palavras inventam perguntas
quem é esta que ficou subsistente no retrato inútil?
                                                                                 fútil?
quem é esta cujo nome ondula como miragem no calor do deserto?
de quem são estes olhos que vejo quando fecho os meus olhos?
quem é esta que ficou como uma anotação,
esboço para poemas impossíveis?
já não sei
já não sei de quem são os passos tristes que andam em mim
já não sei da inquietação dos meus caminhos invioláveis
já não sei
se tudo foi ilusão
já não sei se eram mentiras
ou jardins famélicos e delirantes do coração
e suas flores fictícias
recendendo no ar este perfume dos gestos
deserdados
                   tocando de leve
                                             o passado lambendo a  minha mão

agora ficam as entrelinhas
fica esta saudade mendiga
ficam, latentes, os poemas a escrever
e esta tristeza que regressa
                                            tão quieta
pressentindo o momento de te esquecer

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