quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Máscaras

no engodo das máscaras que a vida trama
no inquietante segundo que as máscaras escondem
as imagens refletidas nos espelhos
falseiam as fulgurações da alma
transmudam-se em sombras
esgueiram-se por entre o vento surdo e submisso
fogem das fissuras por onde vaza a luz
escapam aos olhos febris do medo e da culpa
diluem-se
no asfixiante silêncio das ânforas veladas nos vales escuros
não há verdade nos seres que as sombras plasmam
nas formas úmidas da fauna humana
na memória refratária da impiedosa vigília
fragmentos seculares
insidiosos mundos de estranhos mitos
enredados em sórdidos solilóquios
vestais da alma
dos oceanos
das terras poeirentas
da sede fosforescente
perdidas na morosa viagem
onde ouve-se o vácuo dos passos em pleno mar
onde assolam as máscaras de degredo e ódio
velhos hábitos dormentes flutuando insuspeitos
as velhas mãos sobre o peito
os gestos lentos de quem tateia a mesma melancolia
os sonhos desfazendo-se em febre e ácidos
a sede de cicuta molhando com saliva os lábios ressecados
esquecidos da simplicidade do beijo
do questionamento dos indecifráveis dias
quanto tempo vai-se esperar até ruirem os espelhos?
e o desmoronar das sombras?
até quando a vida será construida nos soluços da areia apenas?
a vida sedutora da persona refletindo o nada
a ilusão dos outros tantos dias tão iguais ao nada rasteiro e vulgar
o inescrutável caminho incendiado de equívocos
as serpentes enlaçando as nódoas de luz
rastejando sobre a borda da máscara que irrompe do delírio
onde a vida escoa voluptuosa
não sinto saudade dos meus olhos refletidos no espelho
sinto no peito a tua ausência sem partir no dia opaco
a tua voz solfejando a esquecer-me
vou por estes caminhos sem regresso
meus passos ardem nas campinas de flores
avanço por entre o campo de açucenas
a tarde se esvai em gestos lentos
pende do céu entorpecido um esgar de sóis em desalinho
a brisa, invisível presença,
anônimo barco, aflora-me o rosto
lembro-me de ti
deponho a máscara
deitam-se os cansados dias de infindáveis alegorias
prostra-se a minha ignorância sobre a poeira dos pedriscos
e o rastilho do outro lado do espelho mente a verdade pressentida
templo de engodos
prisioneiro da cegueira sulcada nos caminhos a nos guiar
esquecido da sua própria morte
o tempo cobre-se de de revelações
a tarde pulsa incessante
as luzes lentamente desvelam o meu verdadeiro rosto
a primeira estrela deambula pelos céus
as cores desmoronam no rubro horizonte
a criança que fui renasce em mim
o espelho quebrou-se
o destino desenha em mim a solidão
definitiva
cordel imanente de minha alma
o vento a zunir debrua com cânticos o entardecer da memória
com as minhas mãos cegas
ofuscadas pelas irisantes luzes da verdade
amalgamo o barro matizado pelo pó de estrelas furtivas
e começo
lenta e minuciosamente
a construir a primeira noite da minha vida

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