domingo, 17 de junho de 2012

Palavras miúdas

A noite lembra um verso exilado em um
deserto evaporando em demoradas gotas de tempo
em delicados azuis se remontando
caminhando para a tua ausência que se faz
dia após dia,
noite após noite,
madrugada após madrugada,
gesto após gesto,
lembrança após lembrança,
figuras,
origamis,
constelações de papel
evolam-se na maciez da lua
e perguntam pelo teu nome nas noites de não
tudo poesia imorrível
tudo a inevitável dor
que vai rabiscando no medo e no vento
palavras miúdas
versos deixados por um beijo antigo
mas não menos doce que o beijo que vive em mim
tão antigo quanto Pingo pingando dentro do sonho
olhando dentro do espelho os ciscos do passado descalço
aflorando em seus peitinhos
duas estrelinhas para eu beijar de mansinho
num pedacinho de céu molhado
pela nossa saliva
(...)
As tardes tinham o teu cheiro de lolita
e eu te amava (te amo)
como eu te achava (te acho) bonita
teus cabelos negros como a tessitura da noite
teus olhos negros me convidando pra brincar
o teu sorriso que compõe todos os versos
o teu vestido perdido entre os lençóis
nossos corpos perdidos entre nossos braços
teu jeito menina de querer ser mulher
sem tempo
e sem hora
só o perfume que o sol deixava na tua pele
cheiro de sândalo e madeira
teu cheiro bom de menina
poesia...
poesia é teu cheiro
que exala-se nos meus sonhos
que põe estrelas num céu
que é teu em algum canto de mim
na noite que amanhece na tua poesia
(...)
Despe-se o dia das suas flores
dos seus caminhos sem nome
veste-se o dia da sua roupa de inverno
das suas folhas secas,
sorrateiras
Ah, se neste dia que nasce
eu soubesse qual o verso que me aliviaria
qual o verso que se esquiva e se afasta e me dói
por estar escrito na alma
com a tua caligrafia
Ah, se neste dia, olhando pra solidão,
eu avistasse você
sem nos separar
esta distância dos anos
que habita a memória da nossa infância
e este reino de fantasias
todo o impossível se explicaria
na concha dos teus segredos
e no teu colo
onde eu repousava o meu cansaço
e onde semeei o meu amor
de menino
semente que o vento levou
e o tempo teceu absorta saudade
diante dos meus olhos negros dos teus
retintos dos teus
sôfregos dos teus
(...)
Em ritmos antigos ainda te escuto
naquela música que você gostava
e cantarolava nua pela casa
canção que se movia com o teu corpo
entornando sobre mim tua nudez
abrindo os lábios para o outro beijo
que desvelava o amor
e que de amor se faz até agora
meu rumo
meu refúgio
minha vertigem
minha eternidade
neste sonhar consigo
lágrima a me dizer: é por aqui
que a noite se une ao mundo
trazendo em seus olhos negros
o soluço profundo
de um anjo

Imagem: Claude Monet

Nenhum comentário:

Postar um comentário