domingo, 1 de fevereiro de 2015

A presença ou a ausência do amor


Há os que sofrem por amor
E entregam-se ao gozo das lágrimas
Remoendo no espírito uma dor infinda...
 
Há os que sofrem por medo de amar
E entregam-se ao gozo das lágrimas
Por remorso e arrependimento
Pelo que não tem coragem de enfrentar
Amargurados por mil infortúnios interiores...
 
Há os que sofrem por não amar
E Entregam-se ao gozo das lágrimas
Pela solidão e pelo vazio que deles se apossa...
 
Todos, entretanto, a sua maneira
Bebem a cota que lhes é cabida,
Construindo, no sibilo da noite sorrateira,
A esperança da humanidade
A força interna da vida...
 
Enfim, há os que sabem amar
E, por eles,
A humanidade persiste.

Enio Burgos
In O Semeador de Imagens, pag. 16, Editora Bodigaya, 2005





o que me intriga não é a presença ou a ausência do amor
o que me intriga é o que esta presença ou ausência fazem de mim
abre as portas dos séculos para a névoa que encobre mais que um olhar hesitante?
faz ausência, ânsia, lembrança, cada dia mais distantes?
coloca borboletas no céu, enchendo o silêncio de ruflar de asas?
ata-me aos atavios da vida falaciosa e fútil?
prende-me ao sonho dos homens cegos de si?
torna-me cativo da ilusão?
carrega-me de mim?
 
estou longe de casa
correndo campos de frívolas promessas,
quimeras e devaneios,
falaciosas sensações
mas, daqui vislumbro as portas e janelas abertas
da casa que me espera,
com seu telhado encantado de telhas de barro vermelho
com os segredos escondidos no quintal
e um jardim aberto onde nascem os ventos
e brotam todas as flores cujas cores sequestram o olhar
mesmo quando não a vejo no escuro das farsas,
ela está lá
é a minha casa
e eu estou tão longe
perdido em enganos
um dia a habitarei
e ouvirei a chuva no telhado de telhas de barro vermelho
e cuidarei do jardim
e juntarei aos segredos do quintal
os segredos que há em mim
 
meus passos caminham bêbados e trôpegos
acorrentados ao passado,
sem entender o presente,
morrendo impressentidos
ante o futuro construído a cada ação,
a cada gesto, desejo, medo
 
meus pensamentos ondulam como a folhagem ao vento
quando as manhãs surgem das lembranças
olho para as águas do lago onde o céu descansa o azul
as sombras das nuvens apagam o céu no lago
assim como as paixões apagam o amor no coração
a lascívia,
a sensualidade, a libidinagem,
não são o amor
são jogos de posse e poder
cinzas recentes levadas por um vento quente
as lágrimas choram as iniludíveis fantasias e taras,
agonizam num gozo narcotizado
o instante cresce dentro do escuro e me alcança
sombra espessa
rostos e corpos de ninguém
no fundo do quarto,
sobre as minhas escolhas,
uma rosa negra deita sua sombra no chão
onde antes um fiapo de luz levitava partículas no ar
como uma alma sustentando o corpo no tempo/espaço
 
intriga-me a ausência do amor...
não do amor com gosto e efeito de droga
mas, do amor transformador
o amor que cante cantigas
o amor que me deita na grama
e sussurra carinhos nas sombras lilases do vento
o amor indelevelmente ternura
o amor feito origami
em delicadas e precisas dobraduras
o amor cuja a beleza está em não ser nada além de amor
o amor sem fúria animal
sem a vassalagem feudal
o amor que não se compra, não se vende e não se troca
o amor não negaceado
o amor que não se define
e que não se definha
o amor incondicional

Nenhum comentário:

Postar um comentário