quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Viajar

 
Viajar, para que e para onde,
se a gente se torna mais infeliz
quando retorna?
 
Waly Salomão
In Poesia Total, pag. 224, Companhia das Letras, 2014.
 
 
 
 
tantos caminhos possíveis para se chegar ao mar
e, de repente, não se chega
o mar foi engolido pela tocaia da noite
evaporou-se na luz infrangível do sol
tantos destinos escondidos nos postais
de antigamente
e nas saudades que me esperam
em ingênuas  miragens
de ingênuos mundos, que esquecidos,
orbitam eternos dentro de mim
portos aflitos
ardem no tremor da despedida dos cais
cidades ocultas
pela neblina que sublima e se funde ao céu
terras onduladas acabando no mar
o tempo tão escasso
o tempo desconhece o sonho
e a alma infantil e insonte
ir traz a ansiedade da espera
de se chegar ao destino que se escolheu
voltar traz a sensação
de que se deixou os sentidos
em rios
tão longes
em ilhas
e suas palavras noturnas
numa lua
roubada ao céu do meio dia
nas nuvens catitas
içadas ao mastro da noite derradeira
no cansaço de um hotel
ou em alguma varanda
onde a chuva criou cenas translúcidas
e o viajante, olhando em volta, pergunte:
onde a resposta pra tudo isto?
o vento flutua e rodopia
farfalhando como papel
a distância não me devolve
como quando parti
quem volta é outro
e a tristeza de haver morrido
dias e noites
tentando sustentar
o que o engano insuspeito disse que eu sou
põem-se inextinguível em meus olhos
que retornam sem nunca terem saído do passado
intocado e incognoscível
retornar e trazer as sombras
e os espaços por onde mistérios
e pássaros cegos de longuíssimas asas
espreitam um tempo de ser infeliz
e as águas do lago já não refletem o céu azul 


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