segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Que venham


que venham as manhãs
que venham as flores e as folhas sem pressa
e gravitem num beijo de pétalas orvalhadas
e nas franjas melodiosas do vento balouçando
ouça-se o canto antigo e inolvidável dos pássaros
que venha um céu embebido em tons voláteis de azul...
e de distâncias percorrendo nuvens
num céu embebido em tons voláteis de azul
que venham as sombras derramadas das luzes da madrugada
traçando geometrias
pelas vidas inaparentes, de repente
pelas árvores antigas e quietas dos quintais
e pelos dormentes arranha-céus
onde a manhã se alastra como um rio vertical
fazendo pedaços do dia irromper por entre
as colunas de concreto e aço e vidro
inundando a vida de enganos e devaneios
ou dando cor a incerta pétala de uma flor

que venha o tempo inconsútil
acordando flores nas sacadas
trazendo jardins suspensos e navegáveis
paisagens de momentos sem as inúteis horas
que arrostam rosas, lírios, bem-me-queres
arrosta a vida estonteada e perdida
bem-te-vi
pousado na platibanda da manhã incipiente
num lusco-fusco como uma flor de algodão no mês de março
a vaticinar em tom de canção: bem-te-vi, bem-te-vi
folhas caídas dormindo nos jardins
fazendo a seu critério o seu instante

que venham os outonos
que cubram-se os caminhos de folhas secas
policromáticas
em tons de terras úmidas
e ventos soprando em verso e prosa
e modulem a atmosfera para entornar
a intangível poesia
do primeiro movimento do dia
num mundo desatento
pelos ventos dos medos assustado
obliterado
e inabitável

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