domingo, 24 de janeiro de 2016

Relógios


a eternidade não cabe
nas oligofrênicas engrenagens dos relógios
os dias amanhecem e anoitecem sem relógios
as noites seguem descendo pelas irrealidades
os dias arquitetam e arrumam as flores
e repetem com voz rouca os finais de tarde
há bilhões de anos
amanhece e anoitece
entre o claro e o escuro
entre tons de cinza
vermelhos rubros
enchendo o ar de estesia
azuis maduros
amanhece e anoitece como se respira
e se faz o mar
e a ave voa
e se faz o amar
e os barcos partem por que a maré está boa
para se partir
sem relógios
de horas e relógios nada dizem
por que nada sabem

o tempo, assim repartido, não existe
tudo falaz ficção
a que hora devemos amar?
fazer o verso?
cantar de pura emoção?
a que horas a rosa deve se abrir
úmida de orvalho e realeza?
a que horas a minha mão resvalará a tua mão...?
e então...
estarei ligado a ti para o agora e o sempre

Os relógios nada sabem do Devir de cada ser
o tempo rói os despojos das vidas
matraqueando incessante
de dentro do fosso falacioso das horas

segundos
minutos
horas
não fazem falta
dias
anos
séculos
milênios
sucumbindo nos calendários
não fazem falta
nada dizem
pura elucubração mental
só metem medo
e nos afogam em angústias
se tudo é imprevisível segredo
miragens, catarses
engodos que os dedos jamais tocarão
jamais contarão
por mais que imploremos
mas, todo dia e toda noite são uma esperança
de que o gesto seja feito
pelo simples fazer-se do gesto
guardado em nossas mãos
em nossos corpos
alheio ao tempo falacioso
antes de a paisagem se apagar calada
e partir devagar na canoa que nos levará
dentro do silêncio de casa trancada
posto que tudo antes de ser aqui fora
já é aqui dentro
aqui fora não há nada...
não há nada

Nenhum comentário:

Postar um comentário