sábado, 5 de maio de 2012

Manhã de outono

Manhã de outono,
a névoa, lençol de renda,
cobre os ares frios da manhã de maio
fazendo tremer o dia lá fora
a manhã sem vento,
clausura das horas,
deitou-se com a lua
e o sol, como "en el sueño",
esqueceu-se a habitar os lilases
que os olhos desenhavam no ar,
fina adaga
que atravessava as palavras
demoradas e cegas
e que decaiam
uma a uma
como soluços de uma dor
como as sementes de uma flor
como o dia ressonante de outono
que a minha solidão procura
do outro lado do espelho
de onde alguém que eu não conheço
ensimesmado olha para além de mim
os olhos carregados de passado
e de destino
tristes olhos são agora
neblinas
um dia sonhei que eu era
todos os sonhos de um menino
que ainda insistem
em sonhar-me
nesta manhã de maio
como pássaros que olho
pelos vidros da janela
e são tão reais quanto o instante inominável
que passa
desfazendo o meu olhar
como o mar, singular, desfaz a onda
e o pássaro desfaz o vôo nas tessituras do agora
repletas de silêncio e tempo
e de ilhas subindo a tarde rumo à noite
oscilante de tanta estrela nuinha
e tudo aquilo que escapa da textura da noite
é encanto durante o dia nacar
de um maio róseo e marfim
as gotas de orvalho esplendem ao sol
e rolam pelas folhas,
flutuam
e caem
arrepiando a terra no imerso do toque
transparente
fica em mim este áspero da areia que o orvalho molhou
é maio e me embebedo impunimente
desta manhã
das fartas cores da aurora
e do vozerio dos pássaros
às seis horas da manhã
nascendo em melodiosa poesia
subtexto dos meus olhos
e dos meus ouvidos deslumbrados
enquanto a manhã levantava-se pausadamente
no horizonte e punha-se a sonhar o novo dia
                et
                  (e)
    "Le sang dessinait un coeur"
(O sangue desenhava um coração)

Imagem: Marc Moritsch

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