quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sonho e quimera

As nuances das tardes de outono
tingem o céu com seus dourados arabescos
pintam de um verde intenso os jardins e as árvores
colorem a rua abandonada
e a insensatez das suas esquinas
preguiçosas

E a tarde toda é este mundo apaixonado
onde deixo meu olhar se embevecer 
onde deixei os teu lábios
e a minha sede
e a senda por onde andei
e amei o imáginário sutil do outono
                           [em meus sentidos

Este é o outono em que não te amei
este é o poema da tua ausência
que se estende na ilusão das palavras
nas cores deste dia de maio
na imobilidade da mágoa
e do silêncio sem resposta

As cores das tardes de outono
deixam seus tons
nas lembranças que se dissolvem
neste lento esvoaçar dos segundos
nos relógios distraídos
engrenagens solitárias a sorver o Tempo

Esplendem as tardes sobre as vidas
de vemelho incendiadas
navegam as ilhas rumo ao inverno
e às lépidas e inconsúteis nuvens
dormem as constelações votivas
nos ermos céus da onde cairão
                                [as ilusões

e o amargo rumor que ficou do amor
a chuva e o vento mastigarão
na distância que ficou de tudo e em tudo
ficou esta saudade circunspecta do mar
e no coração a certeza de acordar e dormir
                                                               [só

Agora é maio
e as nuances das tardes de outono
tingem a vida e o vento e o destino:
sonho sem porto
mares sem velas
esperando pela noite verde (também de outono)
que sai de entre os dourados e os vermelhos
que sai do ventre da vida
e flerta com vagalumes
                        [silêncio
as praias caminham placidamente para o inverno
e, mesmo que não haja mais ninguém,
o céu se vestirá de cinza
engolirá o horizonte
e deitar-se-a com o mar
à espera dos ventos que vêm de longe
vêm dos leitos mornos
                       [silêncio
que o grito fendeu-se em meu peito
e as minhas mãos procuram as tuas
                                        [sem jeito

Enquanto não vens amalgamo palavras
                                              [apenas

O que direi à lua quando ela perguntar por ti?
Direi, talvez, que sinto saudades
assim como sinto saudades das rosas,
tão irreais,
longes de ti
neste outono singular
e tão parecido contigo

Os pássaros gorjeiam sobre felicidade
enquanto a manhã deixa no ar
a lágrima de orvalho que a flor falseia

Quem a trouxe?

O sonho...
coisas simples,
o vento
saciando o sono nos trigais
                         e os dias ensolarados e sem nome

Imagem: Edgar Degas

Nenhum comentário:

Postar um comentário