terça-feira, 4 de novembro de 2014

Não quero tribos, nem seitas

Não quero a perversidade das tribos
a algaravia das tribos tangidas de cá para lá
de lá para cá
acorrentadas à esperança inerte e sonsa
e intuí que a mixórdia e a hipocrisia moram lá dentro,
na casa grande/mansão e na senzala/favela
como um diabo habita os infernos de trevas nebulosas
e por vezes me transcende e me ilude,
astuto e velhaco como cabe ser a um bom diabo

Não quero a impostura das tribos
Nem a mendicância dos fragmentos do tempo
Não quero catar a semi luz da lua nova que esquecestes
na escuridão refratada nas noites de vidro opaco e denso
A minha bandeira e o meu emblema
são estas letras/palavras/verbos raspados a garatujados livros,
são esta tentativa anímica de me entender poesia
são estas melancolias vertidas nestes signos azuis
onde a cor não está na cor,
está no feixe de fótons sobre as células
e no movimento dos átomos
delineando frequências de ondas
que interpreto como a cor das letras do poema,
que misturo na paleta retórica do trivium
e subverto os oximoros os quais me expressam
et toute les formes de solitude
onde os dialetos se misturam
(Parlez-vous français?) e tudo e nada dizem

Não quero a inclemência das tribos
Meu clã sou eu
e esta solidão de pedra, pó e caliça,
e este exílio de mim mesmo,
e a minha humanidade,
em tudo que ela tem de bom e de ruim,
incorrigível no que tenho de pior,
impenitente e tacanho
menosprezado no que me resta de meu:
algumas palavras roubadas e um discurso sandeu

Não, não quero tribos, nem seitas
Apascento-me na solidão
entre a sozinhez da ilha ingente e insana que sou
e a vastidão do mar antigo e vermelho,
aos olhos de um sol,
esfera perfeita e intransigentemente vermelha
num fim de tarde de outubro
sob o cosmos e seu todo o tempo do mundo
e solto como estrelas a adernar
na longa viagem do inicio dos tempos,
das nebulosas às super novas
navegando num céu difuso,
até o momento em que eu, você e o cosmos
sejamos "simplesmente" poeira de estrelas
tal qual um sol geofágico que
um dia nos engolirá antes de morrer

Não quero a tristeza das tribos
Queimei as minhas aldeias
Minha tribo é meu medo obscuro
de ser esmagado pelas vaidades,
pelas veleidades indômitas
e pela insuportável "realidade" que palpita,
neste deserto perene sem o lenitivo das estações
onde as areias caminham
pelos caminhos das aragens
e por onde os olhos vermelhos das tardes
acompanham  o serpear ligeiro da serpente
sobre o extenso leito de areia calcinada

Não quero a vida cediça qualquer que seja a tribo
Não quero a semiologia e a subserviência das tropas em marcha
Não pertenço ao latifúndio canhestro
e derruído de um mundo rendido aos proxenetas,
nem à noite consternada
com o canto do pássaro no escuro rútilo da madrugada
replena de sons e pulsares e tambores estelares
embalando o mundo inteiro
e a flor interrompida
pela neblina plangente do inverno cinza e seus sufocantes gemidos

Não quero nenhuma tribo soturna
nenhum clã, nenhuma nação
Não quero a cegueira noturna,
a cegueira in/condicional,
a cegueira escuridão pondo fim às cores do dia,
pondo fim aos dias que vinham do mar
Minha tribo sou eu
e este silêncio agônico e interregno,
desatento
onde versos se esboroam
e em grãos são levados pelos ventos,
grafados em palimpsestos
e me devoram a razão
na aporia dos sonhos
ensimesmando meu coração
anátema que fui, que sou, que serei
sem um céu surreal como ilusão

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