terça-feira, 4 de setembro de 2012

A vida é coisa lenta

 
Nestes momentos inquietos e nostálgicos
onde a vida se dispersa no mar,
sem dizer adeus,
levando histórias ouvidas aos campanários,
na tarde quente marchetada pelo vento
olho para o profundo silêncio onde os
jasmins perfumam o sonho rubro no qual
o amor de repente se esqueceu,
monótono,
como a vida pode ser monótona
diante da noite e da dor
O silêncio absorto é só fuga
e a palavra sozinha é só o vento nas árvores,
semente recôndita de um verso iniciando
um grito desnudo
O grito que cala a tua ausência
e recolhe minhas palavras pelos campos
de juncos
e entre as águas que saciam a sede do pássaro
Vê, a vida erra atrás das águas
que se afastam sem destino,
em abandono
Nada sabe dos olhos que te procuraram,
feridos,
cegos,
pela primavera
sustentada pelo aroma de flores e cores,
pela inaudita beleza do crepúsculo
e do céu de onde caia uma chuva fininha
e renitente
Vê, minhas mãos,
anônimas ao longo do corpo,
se alongam pasmadas,
desconhecidas,
cansadas,
imóveis,
procuram pelo adeus
escutando o burburinho do fogo
que sucede um dia ao outro
Não...
não creias que o sentimento tremeluz
à luz das estrelas
enquanto o sonho, ensombrecido,
deita duas lágrimas à terra
aonde as crianças,
de pés descalços, 
brincam
O sentimento cala-se à passagem do acaso
A tarde arde
No céu a primeira estrela boceja
o tiritante azul
sob os vermelhos da indiferença
A chuva cai lentamente
aspergindo as pequeninas folhas do tempo
sob réstias de um sol lilás
O amor ficou oculto,
ausente,
perdido na distância,
num dia qualquer entre a gente
Os passos, nos dias de grande tristeza,
já não pisam as nuvens nos céus
Os dias tornam-se feios e iguais
Por um momento a vida parece parar
e o silêncio conhece a maldade
As palavras, no entardecer,
não olham nos olhos,
envenenam a alma
e o amor já não pode amar
O amor não ama pelos olhos tenazes
da mentira
E a vida,
amanhã,
iníqua,
não se reconhecerá no mal

"A vida, a vida é coisa lenta" *
*(Pablo Neruda in O Rio Invisível)

Imagem: Luna Lee Ray

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