quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Noite na ilha

Por trás das máscaras
e da iniqüidade
há mundos
sustentados
pela indiferença
que corroem
a alma,
pisoteiam
as flores
do jardim
onde as rosas
deixam cair
de cada pétala
a gota de orvalho,
o inicio da poesia
e a lembrança
de um outro rosto
que ficou dentro espelho
da infância.
Amordaçam
o coração
e o canto
estará morto,
arrastado
pelo frio pranto.
A maldade não se cansa
e amanhece ao meu lado
com seu traje roto
dormitando
as minhas culpas,
ocultas nos sorrisos
e nos beijos
vermelhos como a sede
que treme
no cântaro
onde minha boca te esqueceu.
Cântaro do soturno inverno
que esquece o outono
e mergulha nas sombras
das noites longas
onde dormem
as palavras que a tarde
disse olhando para
alguém depois de mim.
E, assim,
pisando as folhas
que cairam no outono,
a noite faz-se fuga
e abrigo das vozes
que o sonho e o vento do mar
exaurem à beira do abismo.
A vida em fuga,
a persona,
e os delirantes
sonhos infindos,
desconhecidos
até de quem os sonha,
num inverno
sem crepúsculos,
caem com a chuva,
adejam ao vento
que trouxe de longe
o engodo
das palavras
sem ânima.
Dorme nos escuros
o fogo diminuto
e solitário,
aflito,
na noite
onde o silêncio
burila a argila
e incendeia
o longo vôo do pássaro
adejando um novo arrebol.
Ergue-se a taça.
Bebo a silente cicuta.
Pouco me resta.
Bebo à noite
que me esconde de um mundo
para me expor as entranhas,
expor meus instintos mais
indizíveis,
em um outro mundo
tortuoso e irascível.
As noites
urdem
os ventos.
Longe,
no mar oscilante,
os barcos
são só recordações
e histórias,
povoando
de vagas
a ilusão.
O passado ressoa
atando as sombras
às tramas
dos dias que se afastam
no tempo incriado,
arrojando-se
pelas janelas
que tremeluzem
na sombra da luz
que vaza pela
greta
abandonada
dos pensamentos,
intentando,
por longo tempo,
por noites sem fim,
unir o sol à lua,
traçar caminho nenhum.
Só nuvens
que o vento arrasta
e o destino
palpita suas sombra
pelos longos
e impoderáveis dias.
Diante da janela
caminha a vida.
Tremem as tardes,
absortas,
cheias dos sonhos
da infância,
chamando nomes
ausentes.
Sozinho, deito a cabeça
na névoa,
que vem com o segredo
do canto hierático
e harmônico
que urde a noite
sem margens.
Um murmúrio
abraça o quarto,
traz esta estrela
perfumada
pelas palavras
que embalam e ofuscam
os crepúsculos irisados
e imóveis.
A luz derrama
sombras no dia
forjando a beleza
da chuva,
o canto hermético
da solidão,
o medo cansado,
a flor que brotou
entre as gretas
nas letras dos poemas.
No horizonte a noite
corre,
ondulando,
a alba espera.
Vacilam as flores
que a noite esconde
e o vento embala
despedindo-se
das cores
e dos seus perfumes.
Longe...
longe...
longe...
onde ninguém me espera,
um sorriso triste
acende a candeia bruxuleante
de mais uma noite
na ilha,
onde o mar floresce
recriando a madrugada,
desvelando a primavera,
botando estrelas no céu,
servindo de espelho para a lua,
na imprecisão das águas
que giram, giram, giram...
soluçantes de solidão.

Imagem: Joan Miró

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