domingo, 16 de setembro de 2012

Manhã

A manhã nasceu
por entre as nuvens branquinhas,
por entre gorjeios de passarinhos,
cheirando a cravos e rosas
que o vento roubou aos teus cabelos                     

É a primavera que se derrama
nos campos de mimosas flores
é o dia trazendo estórias
que um dia foram amores
e que se vão enquanto a vida queima-se
                                            (em fria tristeza)

A manhã nasceu
em carícias azuis
cores afogadas em ilusão
dobrados em origamis
os pequenos barcos de solidão partindo dos cais
                                             (ouves? 
                                              são as velas ao vento)

É a primavera que se derrama
no mar incerto
pressentido
de águas maduras
quando a brisa faz chorar as ondas

A manhã nasceu
calando os sonhos que falavam de ti
apagando as estrelas
num céu que sobreviverá a nós
nas noites ensimesmadas e andarilhas

É a primavera que se derrama
na terra do nunca
no tempo do era uma vez
sobre o jogo das cinco pedrinhas
girando, girando, como astros hieráticos

A manhã nasceu
A primavera se derrama
Gorjeiam os passarinhos
Nos campos de mimosas flores
Em carícias azuis
No mar incerto
Calando os sonhos que falavam de ti
Na terra do nunca
Mora a minha meninice
E os sonhos semeados na terra seca
E plangente da caatinga teimando
Em ser seca e inundada de sóis
Com o chão tremelicando de quente
Eu comia as paredes da casa
E o gosto do barro esturricado
Se espalhava no meu jeito de
Ser menino com fome...
                                      (e sede)

Tudo, tudo...
é sonho e fantasia
(até a fome, até a sede)
por isso escrevo com a ponta do dedo
nas águas da lagoa
o lado avesso das palavras
e ponho-as a secarem ao vento
peregrino e ígneo
invisível
como esta farsa insofismável dos dias
que se sucedem em sombra e luz
em sim e não
andrajos da ilusão do tempo
que não existe partilhado
morrendo a cada segundo
cronometrando a loucura da vida
e das culpas inauditas
amalgamadas às lágrimas dos anos

A manhã nasceu
e pôs-se a passo no caminho
a arder em versos
a sussurrar o silêncio azul
que a aurora
despeja no som das palavras
determinando o que é flor
e o que é pedra
o que está vivo
o que é inevitavelmente morto

O impossível acorda em cada manhã...
insolente...
cândido...
onipotente...
eterno devir


Imagem: Luna Lee Ray

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