quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sentimentos insontes

ARTE-FINAL
 
Não basta um grande amor
para fazer poemas
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
 
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
 
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
 
- quem toma uma por outra
confunde e mente.
 
Affonso Romano de Sant'Anna.
In Que país é este?
Rocco, 2010.
 
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Entre a letra e o amor
Entre o amor e o ato
Entre a pele e o tato
Entre o ritmo e a rima
Ficou tanto sentimento
no carinho e no sonho que não acorda,
no segredo que não se esconde,
mas se sente neste gosto de ternura
                                   que não se acaba
                                   e mais se apura
Ficou em um nome da infância
Ficou nos intervalos de um tempo,
                                       beijos inquietos,
                                       revolvendo a memória, amiúde
Ficou nos momentos e tardes...
a música tocando num rádio
esperando os meus lábios dizerem poesias aos teus,
esperando que as nossas mãos escrevam os poemas
aos quais um grande amor não baste
E tudo em ti foi carícia
e todos teus foram os meus instantes
Foi tua a música tocando no rádio
num tempo em que amar era o silêncio dos dedos
deslizando nas tuas costas,
era o gesto de abrir as manhãs (tímidas),
como são as manhãs ao despertar
Ficou do amor esta sensação inexprimível
de uma atemporal eternidade
Ficou do (no) amor teus olhos negros
como a canção das noites,
como o verso espontâneo das noites
                                          entrelaçado aos teus braços
Alguém poderá dizer: De tanto amor ficou tão pouco!
Pode ser...
Pode ser que seja pouco
Mas este pouco é tudo e é tanto que continua existindo
"Não basta um grande amor
para fazer poemas,"
nem basta um grande amor para dizer segredos e saudades,
para ouvir a pausa e o silêncio dos corpos insontes,
mas basta um pequeno poema feito para um amor
que se enrodilha no nosso colo
para que o tempo viva para sempre
e me procure
num mundo de faz de conta
onde teu cheiro e teu gosto
misto de suor saliva e chiclete
espalham nas noites estes momentos
enquanto o tempo passava lento distante
sem dizer palavra ou verso
sem buscar a rima negra que teus olhos pedem
para que eu fizesse um poema, sujo que fosse,
poema que mesmo diante de tão grande amor
eu não sei fazer
No céu as nuvens caminham nos ventos,
nuas de águas e inúteis tempos,
propondo enigmas,
elucubrando ilusões
do que a vida foi sem ter sido

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