quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Inquietação

CIDADEZINHA QUALQUER
 
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar
 
Um homem vai devagar
Um burro vai devagar
Devagar... as janelas olham.
 
Eta vida besta, meu Deus
 
 
Carlos Drummond de Andrade.
In Antologia poética.
Editora Record, 2008.
 
 
 
A vida exauria-se indiferente
a ter ou não ter sentido
Sob a luz fraca e amorfa do dia havia este tédio
Havia estas palavras sem ato
Sombras escondidas pelos vãos
O tempo escorrendo pelas mãos
Dia após dia
a vida carecia de liame
e da greda primordial
A vida era um cansaço só
O vento era um cansaço só
A chuva caminhava desfazendo o barro,
deixando um perfume doce
de ausência
e de um insonte desespero
A dor que erra e me perde
em meio ao arrastar do dia
carreava figuras tão nobres,
na lama empapada das poças
e nos claustros onde se arredam
os passos vários da infância
e este silêncio tão comovido,
irreversível e inadiável
Resta da lama esta escória
de viventes cansados e indigentes,
tão pobres,
para o indecifrável mistério desta vida vazia
Ainda que a existência
seja toda graça e expiação
ouve-me, Senhor,
eis que sou,
todo mágoa em meu coração
Ouve-me,
que a sombra do silêncio
projeta-se sobre o cotidiano frangível
e sobre toda esta vida besta derruída de significação


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