sexta-feira, 15 de maio de 2015

Vadiagem da luz


Sob um sol vermelho alcaloide
um galo antropoide dá o aviso
e nasce mais um dia para a vadiagem da luz
a névoa veste a manhã com trajes
de gaze, organdi e celuloide
os pássaros pousam nas árvores arcaicas e gentis
pipilam tanta melodia
trinam várias fantasias orvalhadas
que a madrugada pôs nas pétalas e no sossego do dia
os pássaros sacodem tremores para debicar o orvalho
se enroscam na neblina hesitante
na paisagem acesa pelas primeiras luzes
no vai e vem da ponte sobre o rio
por onde caminham o vento e o pranto pequeno
de um pequena vida cujas lembranças cabem
 nas linhas da palma da mão

o dia se esquece no trilar dos pássaros
enche a vida de retóricos sons
um cão ladra para um tempo antigo
demasiado antigo para que um outro cão responda
ladra sem entender a manhã
cotonadas pelas nuvens nuas
que não envelhecem
indiferentes ao tempo que passa pálido
sem sequer existir
envelhecendo e envilecendo
o homem e o seu drama
que não entende o engodo das horas
e seus sofismas
e seus combates irracionais
e o medo do que virá com a noite

a manhã levanta-se do verde mar
a brisa traz o aroma salgado da maresia
o horizonte começa a se incendiar delicadamente
enquanto a madrugada não se acaba
nada que soe como um segundo sequer
nem o ruído dos minutos
nenhum estrondo de horas
o tempo pingando em âmbulas
rangendo espicaçado em relógios
não existe

os pássaros cantam para os poetas
e para as folhas que só deixaram a ausência
caídas no quintal do poeta
sem pressa
sem ruído
sem estrondos ao passar do tempo
com poeiras pingando sol
querendo ser as virtuoses canções
tocadas por uma criança em seu tambor de lata
cantam para as suas palavras silenciosas,
pudentes e nuas
num céu cotonado de maio
num céu sem telhados
por onde entram os anjos penitentes
etereamente despidos
num céu azul pendoado e profundo
orvalho pendendo das flores
os pássaros cantam canções
apascentando o meu mundo

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