segunda-feira, 11 de maio de 2015

Os soldados marcham


Os soldados marcham,
sem olhos,
sob um ideal caduco
marcham o medo
dentro das agruras
dos desertos
entorpecidos
marcham
sem remorsos
sem deixar sombras que os sigam
degustando ódios e estigmas
amestrados que são
sem nunca terem sido
testados nos fundamentos da ação
no dilema de suprimir vidas
algozes do mundo
com seus atos mesquinhos
tão pequenos
aa vida virada do avesso em 16 segundos
,
não têm mães?
não têm namoradas?
não têm têm irmãos?
não têm parentes?
algo que os prenda à terra
algum valor humano
algum sentimento que sonhe com tudo quieto
que o tempo para a vida e para a morte
seja marcado pelo ritmo do coração

os soldados marcham
conversando com o passado e o medo
num silêncio onde só se houve a aragem
ininteligível
camuflada
camuflando o que se é
têm ganas de lutar
não importa por que
não importa por quem
não importa aonde
o sangue faz o cheiro do sangue
o vento traz o cheiro de sangue
é pra lá que se vai
traçar uma nova guerra
tragar a antiga guerra


a morte a aliciar-lhes os dedos
o cheiro de sangue a açular-lhes os instintos
o gosto da dor a atiçar-lhes os dentes
a intolerância a salivar-lhes a raiva
trazendo de longe o odor dos cadáveres exangues
num triste mundo plasmado pela ignorância
e o medo

a sombra não vai com os mortos
amalgama-se ao solo adunco e infértil
nascerão flores de flandres sobre o solo
onde caíram os mortos
um sol magenta secará o sangue derramado
e a neblina das manhãs turvará a visão
e umedecerá a crosta de sangue nas mãos
dos ignaros soldados que marcham
seguindo medos espectrais
fantoches sem se quer saber quem são
sem se questionarem por que arrancam
das trevas o sumo da escuridão

a guerra é inexplicável
e a vida é esta monotonia besta
seguindo as vestutas sombras andejas da morte
saboreando o sádico gosto de sangue
o insondável e irrestrito monólogo
da estupidez maniqueísta
da intolerância atávica

onde antes havia teogonia
hoje há somente a insegura intenção de um deus
de olhos cerrados
de moucos ouvidos
estupefato
ante a incapacidade
do gesto que redimiria o homem enfarado
e o homem cuja grande batalha é viver
é ser
e não tem outra mais premente
o momento presente entregue à lenta letargia
que lhes sufoca o ar
e evola-se a cada respiração
devagar
como se do barro vieras
como se para o barro voltarás
e entre a vinda e a ida (indestrutível)
e entre a vida e a morte ( inabalável, posto que é essência)
a frase dita num esgar
que os soldados que marcham sem olhos
seguindo as boçalidades do homem só
são incapazes de ouvir
só entendem a palavra dura
tartamudeada
vociferada, pela boca umbrática do vil senhor

ei-los sós
sentados à pedra
fumando um cigarro
tragando a alegoria da morte
caindo com as cinzas
pernas, troncos e mãos
amontoados no chão
sopram os ventos vermelhos e estanques
insensíveis à consciência
estão surdos e cegos e em frenesi
de tão fascinados que estão
pelo estalar dos ossos partidos
pelo desatino
e pelos gritos e as faces crestadas de dor
desembarcando aos pedaços na tela do computador
e tudo fica parado cambaleante de ironia
do contraste
da dor do medo
do medo da dor
a madrugada recolhe os mortos
e teima em fazer poesia
só pó e sia

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