quinta-feira, 14 de maio de 2015

Profano


na rua antiga e sozinha caminham os ventos
manchados pelo vermelho
das vozes aflitas
das multidões deambulantes
assenta o pó impalpável
da incerteza
e voa
o voejar descompassado
e vagaroso
esvoaçando no ar pesado da tarde
esgueirando-se pelas nuvens úmidas
prestes a chorar
suspirando em meio aos jardins ditosos
derrubando folhas das árvores
nos lagos angustiando  os outonos
com remorsos de todas as folhas do mundo
revolvendo infâncias
gira a terra e os basculhos da rua
em opacos rodamoinhos

caminham os ventos
tirando chapéus
desarrumando cabelos onde antes havia uma flor
pulsando belezas como o coração que estremece com a gente
no tremeluzir  fluído das palavras e da impermanência
os ventos descem das árvores
levam suas forças ao chão
giram o destino,
o segredo,
giram o redemoinho
repete,
por mero hábito,
sacudir quintais,
saudades
e desencontros
caminham,
levando o dia encardido pela mão
o tempo se ri do ventos
o tempo não existe
bem feito!
as folhas fogem
as nuvens escondem memórias
cuidadosamente denodadas
os ventos e seus mistérios
como vieram se foram
e a rua voltou a ser
a rua da vida inteira

na rua antiga, agora,
como fuga para os olhos
como missa e oração
só caminham o homem,
o tormento
e seu cão
magérrimos todos
antigos
passos insontes
passado, desde sempre, querendo morrer
um morte provisória
interrigna
sem interessar mais aos caminhos
a morte poderia vir do rio
da dor que sobe e desce no peito
do seu naco de fome
do progresso do país
que quanto mais cresce
menos o vê
podia morrer da indiferença
do sono no papelão
cama pra dois
ele e o cão
podia morrer antes que a minha retórica pedante o alcançasse
inexoravelmente
comovida
e profana
destino de bicho
almoço no lixo
um pão urdido de pedra
num mundo feito de fome
severo
e pobre
para aqueles que já nasceram mortos
e vagueiam em degredo por uma vida que não é deles
mas é preciso fazer o caminho
fechar a porta do medo
para si e para o cãozinho
deglutir até o fim o que os deuses
por bem resolveram brinda-lo
alheios à morte
única verdade que nos chama todos os dias
comamos osso e pedra
ou a mais fina iguaria

Nenhum comentário:

Postar um comentário