domingo, 5 de julho de 2015

As vidas e as mortes

 
O vento passa sem pressa
desmanchando as pedras e a vida, lenta e resolutamente
verga o capinzal sobre o lago
crispa as aguas
arrasta as folhas desfazendo o silêncio da noite
que se esconde dentro da tarde
onde tudo finda e recomeça
uma noite apos um dia apos uma noite...
que não são percebidos igualmente

Assim como creio que não são precebidos igualmente por todos as noites e os dias
creio, sinceramente, que a percepção da morte não é igual para todos
pode ser parecida,
mas não igual

Assim como a percepção da vida não é igual para todos
pode ser parecida,
mas não é igual

Creio que, como na vida, a percepção na morte
depende das vivencias e dos pactos de cada um

Creio que morre-se como se vive
e o depois da vida está mergulhado e emerge do que se viveu
e creu
e negou-se
e se viveu
nos castelos
nas tavernas
nas cidades frágeis e canalhas

Os mundos da morte são os mundos e labirintos inacessíveis,
porém, possíveis da vida,
da alma, da mente humana e seus ocasos

Não há nada do outro lado que não esteja dentro da gente
céus e infernos
anjos e potestades
tão vários quantos são os seres humanos
e seus passos adiante e suas angústias
aqui e agora
como um compromisso

Os dias, emergindo de auroras cheias de cores,
fazem-se poesia
e confundem-se com as coisas elementares
entre uma vida e uma morte
sem fazer distinção entre o que é uma o que é outra
sem saber o que há entre uma e outra
ignorando o monólogo tortuoso de obsoletas certezas

Como se a vida fosse um longo e obscuro pensamento
que eu não sei despensar
e que me mantém entretido
longe da
Vertigem e da Pergunta
que torna e retorna suspensa e dissipada em momentos de distração
a Ideia Primordial que faz do ser humano ser o humano do ser
que vem na Canção vinda das estrelas

Os dias evolam-se em sua perfeição
Mais um dia de sombras arredondadas
de chuvas e sois equidistantes,
vernaculares,
e uma lua pousada na noite da infância

As cores da tarde submergem no escuro da noite
e suas emanações reverberam, devagar, nomes e sorrisos
conversas troando no lusco-fusco
e a inquietante Pergunta
que retine intermitente e aparentemente inaudível
na essência e no vir a ser
em tantas madrugadas e dias claros
de um sol intenso e silencioso
tornando-se sombra segundo a segundo
sob o disfarce do tempo

A vida é uma brincadeira entre um suspiro e outro
entre o gesto e o acaso
ensonada de instantes e eternidades
brincadeira que eu não sei brincar
num mundo indecifravel que eu não sei olhar
e falho na indecência dos olhos amargos que trouxe comigo

A vida é brincadeira inconsequentemente perigosa,
sutilmente inefável
séria
lúdica
por tudo ser possível desde que caiba num sonho
e tudo, então, se transforma em escolhas minudentes
muitas das vezes audaciosas e intementes
muitas das vezes só escolhas
que farão de uma proposição uma pessoa
ou um amontoado de frustrações e humilhações

Para além do sonho escorrem as águas imponderáveis e secas
e caem as folhas das árvores, sem rumor
sob as nuvens desigualmente brancas,
desigualmente voláteis

Na outra face do sonho o amor vindo nos livros
nas noites de bares
no sussurro eloquente das divagaçôes nas madrugadas
de amores todos possíveis
vencido o medo que aflora umido e dolorido
o amor aceso no fogo das eternidades das sedas dos papéis
presente nos vazios intangíveis e trêmulos das labaredas
que o vento tece

Viver tanto para não ser nada,
por que os caminhos misturaram-se com os ventos
encobrindo a Pergunta e as coisas da vida
quente ou frio,
e sonhar com a morte
e temer as dores da morte dentro dos segundos
a memória afogada em nuvens
que passam daqui para lá
como eu hei de passar
com meus sonhos afetados,
minhas máscaras
e o enganoso silêncio
coberto dos rumores do lado de cá

E pensar na trôpega ideia da morte,
para muitos,
já é, enfaticamente, a morte
como se morrer fosse opção
ou trapaça

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