sábado, 18 de julho de 2015

Diz o poeta

COISAS ANTIGAS

Certamente que entre babilônios e sumérios
entre persas, egípcios, gregos e romanos
entre mandarins e samurais, incas e astecas
inúmeros
foram os que             
como os medievais, os renascentistas, os barrocos
e de lá para cá
incluindo os enciclopedistas
- que sendo racionais
tinham lampejos emocionais
certamente                                            
que todos esses
filósofos ou não                      
chegaram a conclusões
idênticas                                       
às que temos sobre a vida, o amor e a morte.
Independente das roupas e comidas
se viviam a beira-mar ou na montanha
se foram nobres ou plebeus
a sabedoria humana
resume-se a duas ou três pequenas coisas
difíceis de alcançar:
conseguir a casa e o pão                         
equacionar o amor e a morte                         
e constatar
que o poder                    
leva alguns a delirar                    
Coisas assim, tão comezinhas
que nos tomam a vida inteira
não para entender
- para aceitar.                           
Affonso  Romano de Sant'anna
In Vestígios. Pag. 89. Editora Rocco. 2005.
 
 
 
Diz o poeta que a vida toda é isto
conseguir
o morar,
o comer,
encaminhar a solução
do amar,
do morrer,
e a estreita constatação
de que alguns podem ter delírios de poder
 
e, desde então, caminhamos tantos caminhos errados
nos enredamos em fugas e escapes
ficamos paralisados diante do escuro abismo
diante do inextinguível desconhecido
entre
gritos,
imprecações,
palavras envenenadas,
muitas vezes ensandecidas
como se a vida fosse um medo
que nos assusta e subleva
e nos impele uns contra os outros
em monólogos ininteligíveis e pretensiosos
em sórdidas disputas ególatras
em monótonas e insanas guerras exteriores
vazando de dramas pessoais
da insuportável aflição que é não conhecer-se
e ignorar a guerra interior
que redime e liberta

guerras exteriores
vazando da inesgotável e cansativa intolerância
das ilusões que exasperam
das incompreensões viscerais
crenças incontinentes
seitas onde moram o desespero
e a ausência de fé e compaixão
da ausência da alma
embaçada pelas falsas imagens no espelho fosco das vaidades
guerras feitas de interesses escusos
e da ausência do humano
mimetizada em ódios
preconceitos
e o arraigado conceito enganoso de sermos melhores
do que aqueles a quem atacamos
 
e a vida inteira se dissolve no tempo
e no desespero das contradições
em busca da explicação (constatação?)
que nos faça aceitar
a morada em que vivemos
o alimento que comemos
o amor que nos sustêm
e a morte,
esta noite que acontece de repente
intempestivamente
este encontro com a névoa
e o imponderável
sem se saber se haverá outra(s) vida(s)
outra oportunidade de extirparmos a ignorância
numa segunda,
terceira,
enésima vez
sem se saber se haverá outro lado
céus e infernos
sopesando erros e acertos
decompondo os detritos do drama
que se viveu (que se vive?)

e todos os dias o assombro do entardecer
derrama-se mar a dentro
por vezes deixando um espasmo vermelho nas águas
deixando a noite a espremer-se entre o ocaso e o cotidiano

a vida boceja e acomoda os olhos à escuridão
o dia esvanece
sem remorsos
sem culpas
ou medos
cicatrizes
entre descansados segredos

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