segunda-feira, 20 de julho de 2015

Toco


Toco os bosques e as matas
toco o tempo e as épocas
já me fiz barco, canoa,
veleiro, vento,
morada
de esvaídos pensamentos
toco o medo e sua fadiga
toco a noite e sua penumbra
que escorre pelas vielas
caminhando por entre o vazio
e o espaço onde antes havia um poema
com/passos encharcados de não ter sido
tudo demasiado longe
rasgando horas
dissolvendo instantes
cansaço
o tempo entornando medos e cismas
e velhas auroras
deixando pra sempre no ar
sua essência
e seus segredos
esquecidos os dias
que nasciam do rio
e no rio se acabavam
e(s)coando por entre as pedras
em diminutas mortes
esvaindo-se nesta descoberta
renascendo nesta rósea poesia
que a queda da estrela escreve
na extremidade escarlate e antiga do céu
incauto
terra pronta para a semente
lento caminho
onde azuis peregrinam
e arcas de nuvens improvisam rasantes figuras
esculpindo a forma
lapidando os fragmentos do horizonte 

Toco o som e o eco
toco o desejo e o asco
já me fiz desfiladeiro, penhasco
lago, rio
cachoeira
de evanescidas palavras
toco o menino e o velho
toco o fim e o começo
buscando o tempo oculto
atrás do tempo
ensimesmado pelas pessoas que fui
pelos olhos que me olham desde o passado 

Toco o amor e o silêncio
toco o exílio e o degredo
toco a sombra e o medo
atravessando insaciáveis madrugadas
carcomidas e escuras horas
em noites inexoráveis
enrodilhadas ao ávido abismo
ruminando amores
entre intenções
beijos que desperdicei
o ciciante aroma das noites
o íntimo perfume de mulher
o sopro de antigamente
rodopiando lentamente
e alucinando
as miragens e os desertos
por onde flutuam os caminhos em movimento
flutuam estrelas num céu solitário e onírico
flutua a lembrança do mar pervagante 

Toco a tristeza e a melancolia
toco palavras e as letras
toco os redemoinhos e a ventania
apinhados de poesia
se dispersando
em ausência

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