quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A palavra e o poeta


A poesia, esfinge incognoscível,
Semeia na alma o enigma
Perscruta respostas no silêncio das palavras,
Na angústia do solilóquio abstrato e ambíguo
Que se levanta e que recrudesce a cada manhã
Na dissonância entre o discurso e o gesto
No tédio palpável entre o enfaro e o resto
Abre portas
Cria mundos
Adormece o tempo
Decupando os dias
Em palavras laceradas e assômatas

Subsiste em cada palavra a possibilidade do poema
De cambiantes sentidos
Tanto faz se versa sobre a completude
Ou se tem o vazio como tema
A palavra é dúvida, é dilema
A palavra pode ser casta e amar o poeta
Ou então mulher da vida e amar ainda mais o poeta
Mas que besteira homérica que eu disse,
Pois da vida todos somos
E é da natureza da vida cafetinar a existência

Palavra é bicho arisco
Tem mil e um artifícios
Tem mil e um orifícios
Se piscar os olhos
Franzir um talvez no cenho
A palavra foge
Se esconde
Vira segredo
Medo
Agonia
Androginia
Se não cuidar a palavra te enlouquece
Se duvidar a palavra te mata
De mortes muito doídas

A palavra nimba o sonho
E o toco seco e tisnado
Pela queimada e a ambição
A palavra deita-se ao sol
E pega um bronze legal
Se é branquinha fica morena
Se é morena fica uma mulatinha sensacional

A palavra sobe na árvore
E cai ao soprar do vento
E se despedaça e se mistura
E se deriva inteira
Necessitando de sufixos e prefixos
E se torna indeslindável
É preciso, para entende-la daí em diante,
consultas terapêuticas constantes a um bom dicionário

Num só instante
A palavra é fogo
É água
Alegoria
Centelha
Substância
E essência
Alma
Descrença
Pecado
Linimento e danação

A palavra que a tudo define também de tudo definha
A palavra flutua
Sobre o silêncio do rio
Diz noite
Melancolia
Eternidade
Enlaça a cintura do sol
Diz teu nome
Vira poesia
Suavemente poetiza-se
Veste amarelo
Gira como um girassol
Flerta com o poeta na janela
Aceita o convite do poeta para entrar
Se deita com o poeta
E faz amor com o poeta
Em várias preposições
Ama-o pela frente, por trás
Dá a bundinha
E ama o poeta como se ele fosse
Seu substantivo próprio
O adjetivo mais primitivo
Advérbio de tempolugares e modos
Negação, e dúvida
Verbo transitivo, intransitivo, bitransitivo e de ligação
Conjunção carnal, anal, oral, et cetera e tal
Tudo muito tesífero, tudo muito gostosinho e legal
Interjeição de prazer e gozo
Artigo, a princípio indefinido, crescendo e definindo-se, latejante e duro no afinal
Numeral: uma, duas, "n" vezes, conforme dite o desejo e o tesão e a natureza
Pronome do caso reto e duro, obliquo, quando ela lhe dá a bundinha
Ama o poeta como se ele fosse seu único homem

A palavra e o poeta saem de mãos dadas a passear
Nas ruas
Nas calçadas
Na praia
No jardim
A vida boba, assim
De repente
Ela pede pra voltar pra casa
Diz que já está com saudades
Que quer um beijo onde vaza
seu mel de abelha rainha
Nem bem entram em casa
A palavra levanta a saia
E entrega-se à vertigem
Ele dela enamorado
Ela dele amante e confidente
Geme como uma virgem
Incendeiam o ar parado e frio
Banham-se das águas sensuais e tépidas
Que escorrem de sua gruta quente, seu rio
Flutua
Cio no cio
Dá a bundinha

A palavra não tem limites
Bebe, toma só mais uma, a saideira
Fuma, cigarro de palha e cigarro com piteira
Joga, na loto e no bingo, joga pela vida inteira
Trepa, até saciar a fome
Goza, tresloucados gozos de menina
Anda sem calcinha, a danadinha
Dá a bundinha
Mija no box do banheiro
Cicia, chama o poeta
E volta a foder no chuveiro

Pinta e borda
Faz gato e sapato do poeta
Acorda-o de madrugada
Não lhe deixa mais dormir
Beija, lambe, chupa, mordisca, o pau duro do poeta,
Trepa
Dá a bundinha
Sussurra reza e oração
E coisas dignas de excomunhão

A palavra não tem  momento
As palavras mais bonitas só se entregam ao sentimento
Sendo dele esposa e amante
Puta e acompanhante
Cerne e sumo
Caminho e rumo
A palavra bonita só dá para quem lhe dá carinho

A palavra, como se nota,
Se deixar ela falar, não cala nunca
E fala tanta besteira
E fala tanto palavrão
A palavra só se aquieta depois de atormentar muito o poeta
E foder com o poeta, e cansada diz "eu te amo"
E só se cala e só termina quando começa assim: FIM

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