sábado, 6 de dezembro de 2014

Alguma coisa


Limites
 
Quem disse alguma vez: até aqui a sede,
até aqui a água?
 
Quem disse alguma vez: até aqui o ar,
até aqui o fogo?
 
Quem disse alguma vez: até aqui o amor,
até aqui o ódio?
 
Quem disse alguma vez: até aqui o homem,
até aqui não?
 
Só a esperança tem joelhos nítidos.
Sangram.
 
Juan Gelman.
In Amor que serena, termina? Editora Record, 2001.
 
 
 
Alguma coisa está para acontecer
Quando a água beber a sede
Quando o ar se tornar fogo
Quando o amor, de si tão quente, fusionar o ódio
Quando o homem humanizar-se atendendo ao rogo
terno da aurora,
ao choro inteiro da alma de uma mãe
 
Alguma coisa aconteceu
E com aporias me devora
E antes que você vá embora
Saiba, senhora
Que o dia que vinha veio e nasceu
por detrás da cerração
E a noite ficou lá fora tingida em pó de carvão
E a água lavou o fogo
E o amor se fez sem rogo
E o homem afagou o ódio
E a sede fartou-se de choro e saliva
E eis que a vida ainda é viva
E em usual sossego
Alguma coisa acontece
Entre o instante e o agora
Se a noite fica do lado de fora
Alguma coisa acontece
ao rogo terno da aurora
alguma coisa
                      a
                        con
                               tece:
do caos inebriado
e amarfanhado
que tanta estrela criou
fez-se esta realidade incognoscível
subjacente
jacente
se/mente
lançada ao chão
para que mais nada aconteça
e não me roube o mundo
e a paisagem placebo e movediça que subsistirá
ao que penso ser no engendro hermético da mente
e às veleidades que no tempo vago e vazio de mim se falará


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