terça-feira, 18 de agosto de 2015

Não amo por que não amo, não amo por que não sei


Não amo por que não amo,
não amo por que não sei

Da vida sei poucas coisas
sei muito menos do amor
(não entendo nada do amar)

AMAR!...

Ah! Se eu soubesse amar
Um saber inventado a cada beijo
Um saber amar segredos de inocência
Um saber dizer te amo
Um saber sentir que amo
Um saber que as noites virão
e perguntarão por alguém
Colocarão flores nas janelas
Na janela, flutuando, motivos para sorrir
Saudades para chorar as lágrimas salgadas do mar
Colocar a chuva no telhado
embalando o meu corpo a um corpo colado
Cantar a alegria dos sonhos que amadurecem nos lábios
Ver a gaivota arrastando a tarde e o suspiro dos barcos
Ver adormecer o horizonte ardendo indomável
no fogo intenso das águas dos rios, entornadas nas margens
Sentir deitar em meus braços o corpo lasso das madrugadas
Urdir o mundo e a vida no silêncio dos giros dos cata-ventos

Não entendo nada do amar
Tão sutil e trêmulo o (a)mar
que os meus olhos ao vê-lo
meu coração ao pressenti-lo
já começam a me afogar

Um dia o amor veio e me procurou
sacudindo a brisa
tirando a minha camisa
brincando com os meus medos
rindo alto
pegando na minha mão
dormindo comigo no chão

Chegou!!!
Um passo antes do verão
Um céu sem nuvens no final da primavera
Um sonho casto pronto para desabrochar
Ela era o amor que a vida me guardou? Quem dera
Talvez o amor que da vida eu guardei? Quem sabe?
Veio nua dos seus medos
Linda e singela
Quem era a moça debruçada na janela
que ainda não sabia que era a meiga namorada
do amor que se exilou em algum momento meu
encenando o papel de solidão
diante da flor que lhe servia de plateia?
A moça da janela era ela

Mesmo não sabendo o que era o amor
o que era amar
eu senti, na liberdade cativa da poesia, que a amava
Eu não sabia (eu não sei)
Eu não sabia (eu não sei) amar
Mas quando ela veio eu a amei

Ainda sangra o desalinho nos lençóis e na vida
nos sonhos
no mundo
nos amores
das janelas cheias de flores
o coração nu e insonte
trazendo no regaço dias inteiros de palavras inocentes

Ela veio
E eu a amei
quando as manhãs acordavam tímidas
tecendo flores com  retalhos de solidão

Ah! Como eu a amei!!!
em meio aos anjos
em meio aos pomares de estrelas
amei-a com os olhos ardidos de medo
e os sonhos derramados molhando o mar
diluído em seus olhos
as velas dos barcos partindo
se desprendendo da bruma branca do porto
do deserto tombado e morto
amei-a com os gestos que eu não tinha
pus meu coração na janela
junto com as flores que teci com retalhos de solidão
ornadas de quatro ou cinco palavras inacabadas
tirei da porta a tramela
abrindo o dia em segredo
amei-a nos caminhos ressumados pela chuva
prementes de suspiros
enchendo as horas de demoras

Sem saber amar
estremeci
quando o vento passou
quebrando a sombra das palavras que lhe dizia

Sujei o amor com  a poeira dos meus medos
onde nas noites mais escuras o sentimento
era um cansado sofrer sem rosto
por mais que eu me procurasse
eu não encontrava ninguém

Ainda assim fiz outros versos
Versos estremes...
era o que eu tinha para lhe dar
Aves vadiaram como rios
Mares abandonaram-se fatigados de emoção
Manhãs cantaram saudades
apaixonadamente
Pássaros fizeram ninhos no vento
Bosques colheram primaveras
Andorinhas voaram nas noites brancas de abril
Anjos andaram distraídos
seguindo a poeira em suspensão nas frinchas dos raios de sol
Beijos inventaram urgentes manhãs

Tudo palavras
Somente palavras
escritas nas águas inabitáveis
de um sentimento que não lhe tocava mais
Palavras...
que o tempo e  repetição transformou em aflição

Agora eu sei
as palavras
mesmo que enternecidas
úmidas das verdades mais antigas
das novidades colhidas na seiva das flores alucinadas de amor
são pouca coisa
nada são
para um amor onde o verbo se ausentou
Eu não era o homem com o qual ela sonhava
com o qual ela dançava
para o qual ela entregava
o toque, o beijo, o corpo
todas as suas fantasias
o amor que partia
na estrada cada vez mais longe a cada dia

Sonhava com(o) quem dançava
Dançava com(o) quem sonhava

Eu só tinha a lhe dar a ausência da solidão das poesias
velando as noites dentro de mim
O verso perdeu o ardor
E quando chegou setembro
esquecemos as flores e as janelas
os espinhos na paisagem
eu já não era mais seu amor

Também há cansaço e estorvo
nas palavras sem memória da poesia
que faz-se enxame de abelhas
mordendo os lábios do dia
Também há cansaço na chuva que já não apetece
mesmo começando o verão em algum lugar

A poesia tremia embriagada
Sílabas e sílabas que só sabiam o nome dela
sozinhas nos dias imensos, alheios e distantes
Entre/mentes ela ronronava
como uma gata no cio
querendo bailar
o corpo exausto de desejo
do corpo de alguém
cativo de uma sensualidade e de uma luxúria
que não era eu
posto que, para ela, eu era ninguém

As palavras sem gestos
as palavras sozinhas não têm nada a dizer
As palavras, por si, não se guardam
Uma biblioteca inteira esquece-se
Nada mais é que o vazio quando o coração sai de casa
a flanar em busca do gesto e do ato
que as palavras não podem dar
não sabem ter

*"Queime depois de ler"!!!

*(Título do filme dirigido por
  Ethan Coen e Joel Coen)


Imagem: Steven DaLuz

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