quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Ecos da neblina


Por mais que tentem
não me escondem
não me furtam
não me assaltam
não me elidem
não me levam de mim

a neblina
o abacateiro
o cachorro
os cheiros escondidos pelo quintal
o galinheiro
o poço, onde Tita morreu (Tita era uma das galinhas
                                          e morreu afogada ao cair no poço)
o vão da escada e suas safadezas
flor nos canteiros
a rua de terra
bola de gude
pipa no céu
o vento chamado no assobio
show de calouros
o carrinho de rolimã
os pés de lata
a bola de plástico
o campinho e o campão
Dona Rosa que, pegando na minha
com aquela mão de enleio e delicadeza
e ao me dar o meu primeiro livro, O Patinho Feio,
enveredou-me pelo caminho
a juntar detritos e gritos
encantos e sustos                                                     
as meninas que tanto amei (sem que elas soubessem)
dentro dos arcos de noites de sonhos remendados

Tudo isso é meu
não...
não é isto que quero dizer
o que quero dizer é mais grave: tudo isso sou eu
bicho arrastado e embriagado pelas lembranças
e o tempo não me toma
jamais tomará
morra eu quantas vezes devam ser as minhas mortes
faça-se a noite mais precária
ou faça-se o mais precário dia
é eternamente meu
o que o meu sonho me fia

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