segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Quem não tem origem não sabe o seu destino


Vim...
a vida me chamou, eu vim
assustado
cismando
chorando
pelado
desdentado
os olhos ardidos pela poeira
a boca seca
o cuspe seco
me espojei no chão rachado
comi barro
lambi o sarro das gretas
botei lombriga
cativo de uma sina seca e faminta
sobrevivi
fugi
arrastando a alma pesada
e pejada de tanto barro que comi
o corpo tomado daquela terra imantada
pela maldade,
pelo mistério,
pelo esquecimento
pela mentira do rio ausente

Vim...
não gostei do que vi
o homem trazendo dores,
rancores
a fera em mim emboscada
o todo menor do que o nada
o nome escuro das guerras
os inescritos donos das terras
a peleja desenfreada
a espada desembainhada
alçada sobre as cabeças
os bergantins movendo-se para o confronto
pervagando nos desertos insensíveis
da sordidez dos homens calhordas
indolentes
homens ignaros conluiados com a morte
fascinados com o gume afilado
das armas com as quais atacam
e sufocam a vida e o pensamento

Não entendi os segredos
atraiçoei-me em meus medos
que ganem
o que eu não quero ouvir

Não gostei do que vivi
procurei nas auroras
azulando e azulando o mar
tão devagar
emergindo no horizonte
um seio a se mostrar
procurei nas tardes imóveis,
intocadas
e quentes
nas noites distendidas e úmidas
e suas horas imensas cicerônicas
procurei nos meus caminhos assustados,
vilipendiados
não encontrei em mim o gesto
não encontrei dia, noite, madrugada
que interpretasse os meus carinhos
aos carinhos da mulher tão singularmente amada

Eis-me aqui,
antigo e vário
diante da insubsistente poesia que,
sozinha,
diz muito pouco ou não diz nada

A noite indistinta não cessa
de bater à minha porta
o vento sussurra sortilégios inumeráveis
junto à minha janela marchetada pela mão da madrugada
o cansaço e o silêncio movendo-se em lenta fuga
o relógio proclamando melancolias
faz a noite mais escura e hesitante
a noite em mim já não dorme
já não acordam os dias
a vida já não é o bastante
tudo em mim é este momento entardecendo
com tanto empenho,
com tanto esmero
tudo em mim é este abismo inexato
ingente
e este inconho desespero

O descalabro
desolado e mudo da vida suicidou-me
enojou-me
enojei-me
enojei-me de mim mesmo
da minha falsa candura
da minha real covardia
do olhar baixo
procurando-me pelo chão
enojei-me da fuga clandestina
enojei-me da minha inconsumível pretensão
e da minha falsa simplicidade
que me faz condescender
com aquilo que eu não quero ser

O que serei pouco importa
não vejo nem a luz nem a porta
que me tire desta cava
onde inelutavelmente o tempo cai sobre mim
a poesia que eu sinto e que escrevo
e que me escreve
é a vida que achou uma forma terna e leve
de resgatar os sonhos todos que me deve

Sou antigo
como a luz do primeiro dia
como o balbucio do primeiro homem
como o brilho da primeira estrela
como a primeira noite onde a luz preclara dormiu
e o Universo, enclausurado, se abriu
sou antigo
como as margens desoladas deste rio de recordações
como o navegar sem rumo das embarcações
a desembocar no meu peito
indiscernível, irrefreável,
soturno, retinto
menino assustado,
não tenho fé que me sustente,
não tenho fim
como não tem fim tudo o que eu sinto
como não tem fim este fim eterno
fremindo a pulsar dentro de mim

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